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WEBSTER CHICAGO 80-1
Publicado em 27 de março de 2022

Precursores dos gravadores de fita magnética, os gravadores de fio são capazes de registrar e reproduzir sons através da magnetização de um fio de aço. Este modelo 80-1 foi lançado pela empresa estadunidense Webster Chicado em meados dos anos 1947. De acordo com a etiqueta fixada no interior da maleta, esta unidade foi vendida na cidade de São Paulo, em 1949, pela loja Queiroz & Bierrenbach Ltda.

Os gravadores de fio não são equipamentos raros, mas são pouco comuns de serem vistos aqui no Brasil. Como a fita magnética acabou de certo modo substituindo a gravação em fio, talvez não tenha havido tempo suficiente para que essas máquinas se “popularizassem” em terras brasileiras.

Encontrei este aqui por acaso, sendo vendido no estado, com uma ressalva de que possivelmente havia cupins morando no interior da maleta. No momento em que vi pessoalmente o gravador, notei que além dos cupins havia também outros problemas a serem resolvidos. Mas decidi topar o desafio!

Em casa, enquanto desmontava todo o equipamento, comecei a fazer mentalmente uma lista de todo o trabalho que seria necessário neste restauro. Se por um lado tive a boa notícia de que não havia mais cupins vivos no interior do equipamento, por outro lado a maleta já estava danificada demais para ser restaurada. Além das partes comidas pelos cupins, o fundo estava com a madeira completamente podre, talvez fruto de algum contato com umidade.

Essa possível exposição a umidade também podia ser observado na oxidação das peças metálicas, que estavam bastante enferrujadas na parte inferior da maleta e também no chassi interno que acomoda o mecanismo e o circuito eletrônico. As marcas de ferrugem se estendiam também pelos componentes eletrônicos: chaves, conectores, transformadores, soquetes e fios. Diante do estado geral do equipamento, achei mais prudente iniciar o trabalho colocando a coisa toda para funcionar, e só depois pensar na fabricação de uma nova maleta para acomodar o gravador.

Então comecei pela limpeza geral do chassi, desmontando completamente o mecanismo e separando a estrutura do circuito eletrônico do conjunto. Removi toda a sujeira das peças esfregando com uma escova de aço e um pouco de querosene. Finalizei o processo aplicando um produto removedor de ferrugem. O aspecto das peças melhoraram muito depois desse processo. Montei novamente o mecanismo, aplicando uma nova camada de lubrificação nas partes móveis.

Nesse processo reparei que as duas polias que tracionam os carretéis estavam com o revestimento de borracha endurecido. Com a ajuda do amigo Sidney, do Galpão do Rádio, as polias foram levadas para um profissional especializado realizar o recondicionamento. Na verdade, foi necessário fabricar duas novas polias, uma vez que não foi possível remover a borracha endurecida das polias originais sem danificar as mesmas. O trabalho ficou excelente, foi necessário apenas realizar um pequeno ajuste porque uma das polias estava tracionando o carretel mesmo com o mecanismo desacoplado. Fiz o ajuste lixando a borracha e diminuindo cuidadosamente o seu diâmetro. Sobre as regulagens do mecanismo como um todo, recomendo uma consulta no manual de serviço.

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O passo seguinte foi fazer a revisão do circuito eletrônico. Em equipamentos dessa idade normalmente é recomendável realizar a troca dos capacitores que se deterioram com o tempo. Nesse caso que havia uma suspeita de exposição a umidade, a troca seria ainda mais recomendada. Verifiquei também os resistores e notei que alguns estavam com o valores de resistência fora da tolerância. Reparei também que alguns cabos que conectavam determinados pontos do circuito estavam com o isolamento apodrecido.

Confesso que achei que seria muito trabalhoso remover todos os pontos de solda para trocar tantos componentes e cabos. Então optei por fazer um processo diferente, removi todo o circuito eletrônico do chassi, comprei quatro novos soquetes para válvulas, instalei no chassi e iniciei uma nova montagem de todo o circuito do zero. A princípio pode parecer que esse processo foi mais trabalhoso, mas acredito que foi mais simples.

Construindo novamente o circuito ponto a ponto foi possível trocar com facilidade todos os capacitores, resistores e cabos. Os capacitores a óleo foram trocados por poliéster e os eletrolíticos por novos do mesmo tipo, respeitando-se a capacitância e as tensões de isolamento. Somente os capacitores de mica não foram trocados. Os resistores foram substituídos por novos com potência de 1/5 W. Os cabos também foram todos substituídos por novos, salvos os cabos de conexão que saem dos transformadores.

 

Todo esse processo foi realizado com o diagrama elétrico em mãos, que está disponível gratuitamente aqui no site Radiomuseum

Com tudo pronto e montado já era possível testar o funcionamento do gravador de fio. Salvo por um detalhe, o cabo de energia também estava com o isolamento aprodrecido e não funcionava. Como o soquete que conecta o cabo de energia no gravador é bastante específico, a solução foi fazer uma pequena gambearra: cortei a borracha em volta do soquete para acessar os pinos de conexão, removi o cabo velho e soldei um novo no lugar. Feito isso, colei tudo novamente com cola instantânea, dessas do tipo Superbonder. Acabei colocando também um pequeno lacre envolta do soquete para reforçar a emenda. Como esse cabo de força é bastante difícil de encontrar, creio que o resultado ficou satisfatório.

Agora sim, com o cabo de energia restaurado consegui conectar o gravador na energia para fazer os primeiros testes. De início não funcionou, mas após algumas horas conferindo todas as conexões do circuito, descobri que havia uma solda fria em uma das válvulas. Consertado o erro, tudo funcionou perfeitamente!

 

Achei muito legal quando consegui ouvir um pouco da gravação que restou no carretel que veio junto com o gravador, um registro antigo de uma reunião. A parte legível do título escrito no carretel diz: "Conferência de Manutenção e Resistência Elétrica (...)". Não sei se esse título corresponde à gravação do carretel, mas foi interessante pensar que provavelmente este registro sonoro ficou um bom tempo “perdido” até o momento em que eu pude ouvi-la novamente. O trecho está disponível no vídeo ao lado.

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Realizei também um teste de gravação e tudo funcionou bem. Já havia no gravador uma adaptação na conexão de entrada do microfone, o conector original foi substituído por um do tipo P10. Como a Webster Chicago usava um padrão próprio, é possível que a adaptação tenha sido feita para possibilitar o uso de microfones de outros fabricantes. Eu mantive a adaptação mas fiz uma modificação, instalando um segundo conector P10, conectado direto no potenciômetro de volume, logo após o estágio da pré-amplificação. Essa entrada possibilita usar o circuito amplificador do gravador de forma independente, permitido conectar a saída de um rádio ou de outro dispositivo, por exemplo.

Minha motivação para adicionar essa conexão foi mais estética, do que propriamente a funcionalidade. A intenção era adicionar mais um conector para preencher melhor o painel frontal do equipamento. Então montei os dois conectores juntos em uma pequena peça plástica que foi embutida diretamente no chassi com auxílio de parafusos. Modelei também uma outra peça para fazer o acabamento no painel frontal, acompanhando o estilo dos conectores originais. Para adicionar um toque de customização, fiz a identificação da entrada com uma etiqueta no estilo retrô.

A etapa final do trabalho foi a fabricação de uma nova maleta e a restauração das peças de acabamento. O trabalho de construção da nova maleta foi realizado pelo Álvaro da AMS Custom Cases, que fez um ótimo trabalho reproduzindo as dimensões do modelo original e aplicando um revestindo estonado na cor vermelha. Na parte interna da tampa, foi aplicado uma lona na cor cinza, procurando se aproximar da textura e tonalidade do revestimento original.

Os fechos e dobradiças foram todos reaproveitados, após a remoção de toda a ferrugem, levei os mesmo para receber um novo banho de latão. As grades de proteção dos rasgos de ventilação da maleta foram lixadas e receberam uma camada de tinta na cor preta. Foram instalados novos pés de borrachas no fundo e nas laterais.

A placa de identificação, que contém o modelo e o número de série do gravador foi restaurada para acompanhar o novo acabamento na maleta. Com a ajuda de uma Dremel e um disco de escova de aço, removi toda a sujeira e resíduos do acabamento original. Em seguida apliquei uma camada fina de tinta preta, esperei secar e lixei cuidadosamente toda a superfície da chapa, procurando remover somente a tinta das letras em alto-relevo. Feito isso, apliquei uma demão fina de verniz para proteger a peça.

Também optei por refazer o folheto de instruções que fica no interior da tampa da maleta. Como o original foi comido pelos cupins, achei que manter o mesmo destoaria do contexto geral do novo acabamento. Então criei digitalmente uma réplica do folheto original. A impressão foi feita em papel Vergê, que além de possuir uma textura interessante, também estão disponíveis em gramaturas maiores do que o papel sulfite. Nesse caso, o arquivo digital do folheto foi criado com fundo branco, de modo que a cor final foi dada pela coloração do próprio papel. Caso alguém tenha interesse na réplica do folheto basta entrar em contato comigo. 

Após longos meses de trabalho o gravador de fio estava quase pronto, faltava apenas um detalhe para o trabalho ficar completo: o microfone. Mas gravador não veio com o microfone original.

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Pesquisando na internet encontrei um microfone original à venda, mas sem apresentar funcionamento. Como não seria fácil achar um microfone tão específico em boas condições, acabei encarando o desafio de restaurar o microfone quebrado, instalando uma nova cápsula de cristal no mesmo.

Encontrei uma capsula de cristal a venda no Ebay, uma peça nova de estoque antigo (NOS) fabricada no japão. O tamanho da capsula era suficiente para caber dentro da carcaça do microfone Webster Chicago, então decidi arriscar. Passadas algumas semanas, a capsula chegou, soldei um cabo e ansiosamente fiz um teste para conferir o funcionamento. Para minha sorte, deu tudo certo!

Faltava agora fazer a adaptação da nova capsula dentro da carcaça original. Usando um pedaço de uma caixa de patola criei uma chapa de plástico com um furo no centro para fixar a capsula. Fiz a medida do furo usando o próprio corpo da capusla e ajustei o furo com a ajuda de uma Dremel. Acabei errando um pouco no tamanho do furo, que ficou maior do que deveria. Para não ter que refazer a peça achei uma solução que foi até mais interessante que a ideia original. Apliquei uma fita dupla face, dessas transparentes da 3M, em volta do  corpo da capsula e o tamanho ficou perfeito para encaixar no furo. O legal dessa adaptação é que a fita acabou funcionando como um material isolante de vibração entre a capsula e a placa de plástico fixada na carcaça do microfone. Isso pode ajuda a reduzir eventuais interferências na captação. Do lado de dentro do microfone também coloquei um apoio feito com um pé de borracha para ajudar que a capsula se mantenha imóvel dentro da carcaça.

Com tudo pronto, chegou a hora de conferir o resultado desse longo processo de restauração. Realizei um primeiro teste de gravação usando o microfone com a capsula nova instalada. Com a regulagem de ganho na metade obtive um bom nível de sinal para gravação.

Nesse segundo vídeo fiz um teste a partir de fios gravados de arquivos digitais do computador. Selecionei algumas músicas dos anos 1950 para proporcionar uma experiência mais próxima da época do gravador de fio. A música abaixo é o clássico Hoochie Coochie Man, gravada por Muddy Water em 1954 na cidade de Chicago. 

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

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