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VICTOR VICTROLA VV-VI
Publicado em 03 de abril de 2022

Hoje em dia é comum o termo vitrola ser usado para designar quase que qualquer tipo de aparelho que toca discos. Provavelmente a origem dessa palavra tem alguma relação com Victrola, que é o nome de um modelo de tocador de discos fabricado pela Victor Talking Machine nas primeiras décadas do século XX.

 

Na verdade existem diversos modelos de Victrolas, das mais simples às mais luxuosas, mas todas elas têm uma mesma característica: a corneta de saída de som fica embutida no interior do móvel. Isto foi espécie de inovação em relação às grandes cornetas acopladas na parte externa dos gramofones, que hoje em dia é encarado como algo interessante e inusitado por alguns, mas na época certamente era encarado como trambolho por outros.

A Victrola VV-VI é considerada um modelo de entrada da Victor Talking Machine, com uma construção simples e mais compacta para ser utilizado como um equipamento de mesa. Apesar da sua simplicidade, este modelo conta com um mecanismo bastante potente movido por um motor de duas cordas (molas) e saía de fábrica acompanhado do clássico reprodutor Exhibition, que foi posteriormente substituído pelo Victrola Nº 2.

A partir do número de série que consta na placa de identificação, 702191, é possível estimar que esta vitrola tenha sido fabricada em meados de 1924, que de acordo com a base de dados do site The Victor-Victrola Page foi o último ano de fabricação deste modelo.

Encontrei esta Victrola a venda com a descrição de que estava funcionando, mas era possível observar que o acabamento geral do equipamento não estava em boas condições. E foi justamente isto que me atraiu, porque me pareceu uma ótima oportunidade para eu aprender técnicas de restauração de madeiras. Algo que sempre foi um grande desafio para mim.

Era bastante perceptível também que haveria a necessidade de realizar outros processos para recuperar as peças metálicas: suportes, botões, braço, etc. Havia também algumas adaptações no lugar de peças que estava faltando, como: o suporte superior que sustenta o braço, os puxadores das portas e da tampa, o knob do controle de velocidade, a manivela e alguns parafusos. Diante desse cenário, comecei o trabalho resolvendo primeiro todas as questões de acabamento para depois realizar a revisão do mecanismo, que já apresentava sinais de funcionamento.

victor-victrola-vv-vi
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Mencionei em outros momentos que a questão de refazer ou não o acabamento desses máquinas antigas é sempre objeto de muita discussão e não há consenso entre os profissionais e colecionadores. Neste caso a minha intenção era desde o início refazer o acabamento, afinal meu maior interesse era o aprendizado por trás de todo o processo. Mas considero importante levar em conta os aspectos históricos e por isso procurei utilizar materiais e técnicas nesse processo que fossem compatíveis com a época fabricação da Victrola. Uma opção seria usar laca nitrocelulose, mas como eu não tenho espaço e equipamento para realizar esse tipo de processo, optei por um processo mais limpo e manual com o uso da goma laca.

A goma laca é uma resina natural usada a mais de séculos para fazer acabamentos em móveis de madeira. Foi também amplamente utilizada como acabamento das máquinas sonoras no começo do século XX. A goma laca pode ser comprada em flocos e normalmente é diluída em álcool, pode ser aplicada com boneca, pincel e até mesmo revolver. Há uma famosa técnica de aplicação de goma laca chamada de polimento francês e foi o caminho que procurei seguir neste trabalho. Existe bastante material sobre este assunto na internet, as principais referências que usei foram os vídeos dos canais Madeira Prima, Gilboys, Fabian's Tiny Workshop e Clickspring.

Antes da aplicação da goma laca realizei a remoção do acabamento antigo com o auxílio de um removedor de tinta para uso geral. A vantagem desse processo é a economia de trabalho no lixamento, porque usando o removedor não é necessário iniciar o lixamento com lixas grossas, é possível começar com com lixas 220 ou 320, e finalizar com 400 ou 600. 

Utilizei as lixas mais grossas somente para acertar partes em que a madeira estava bastante machucada, como na base do gabinete, onde os pés estavam com muitos buracos e deformações. Nessas partes fiz um desbaste mais profundo, procurando acertar e criar uma forma mais uniforme.

Com todo o gabinete lixado já era possível aplicar o novo acabamento em goma laca. Mas optei por escurecer um pouco a madeira com um tingidor na cor mogno, procurando se aproximar ao máximo da tonalidade original. Usei um tingidor a base d'água e apliquei uma demão sem diluição. Apesar de os tingidores base d'água terem um tempo rápido de secagem, a aplicação é bastante simples. A dica é realizar o processo em etapas e retirar o excesso do produto com um pano seco para uniformizar a coloração.

Em seguida apliquei três demãos de goma laca para selar a madeira e isolar o tingidor dos próximos passos do processo, procurando assim impedir a ocorrência de interferências na camada de coloração. Fiz a aplicação da goma laca usando uma boneca montada com estopa embrulhada em um tecido velho de algodão. Sobre a goma laca, usei a indiana clarificada em flocos, diluindo 200 mg em 1 litro de álcool absoluto (99%).

Depois de selar a madeira, realizei o fechamento dos poros com um produto conhecido como grain filler, ou pore filler. Esse produto não é muito comum aqui no Brasil, mas existem formas de importá-lo em lojas online. Usei o Aqua Coat, que é um grain filler base d’agua. É importante dizer que há diversas formas de obter um acabamento com poro fechado. Uma mandeira muito utilizada em acabamentos em goma laca é o uso da pedra pomes.

 

Apliquei duas camadas de Aqua Coat, lixando com lixa 400 para uniformizar a superfície após as aplicações. Em seguida apliquei duas demãos de goma laca para isolar a camada do grain filler do próximo passo. Resumindo a sequência do processo:

 

Tingidor > Selagem da madeira com 2 à 3 demãos de goma laca > Fechamento dos poros com grain filler > 2 à 3 demãos de goma laca > aplicação do acabamento final.

Antes de aplicar o acabamento final em todo gabinete, realizei vários testes no lado de dentro de uma das portas do gabinete. Refiz incontáveis vezes esse processo até finalmente conseguir controlar minimamente a técnica do polimento francês e obter resultados satisfatórios. Até aqui fiz um relato bastante resumido dos aspectos que julguei mais importantes de todo o processo, mas todo esse trabalho durou mais de 100 horas.

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Com o gabinete pronto o próximo passo foi iniciar o restauro das peças metálicas. Por sorte, durante a desmontagem encontrei o suporte superior do braço “escondido” dentro do orifício da corneta. Mas tanto este suporte superior quanto o inferior estavam com a camada de tinta bastante danificada. Então removi por completo a tinta de ambas peças. Em seguida apliquei uma camada de fundo (primer) para nivelar a peça e favorecer a aderência da camada final de tinta. Por fim, apliquei duas demãos de tinta preta brilhante. Já as peças niqueladas foram levadas para receber um novo banho, como o prato e as pequenas peças que vão na tampa superior.

Algumas das peças que faltavam na Victrola encontrei a venda no Ebay, como os puxadores e a manivela. As outras peças foram adquiridas com o George Vollema do Great Lakes Antique Phonograph, entre elas: o knob do controle de velocidade e as dobradiças das portas, que acabaram quase todas quebrando durante a desmontagem do gabinete.

 

Nesse processo de procurar as peças acabei encontrando um reprodutor Victrola nº 2 a venda e acabei aproveitando a oportunidade com o intuito de deixar a Victrola mais próxima da sua originalidade.

 

O reprodutor que veio junto com a Victrola é da marca Magnat. Procurando mais sobre ele na internet não consegui encontrar nenhuma informação. É provável que seja um reprodutor do começo do século XX, talvez fabricado por alguma empresa europeia dedicada a produção de peças para máquinas sonoras. O mais interessante desse reprodutor é o seu tamanho, medidno cerca de 78 mm de diâmetro, consideravelmente maior que grande parte dos reprodutores que vemos por aí. Fiz um relato da restauração deste reprodutor aqui.

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Por fim, o último passo foi revisar o mecanismo, mas como já estava funcionando, o trabalho consistiu apenas na desmontagem, limpeza e aplicação de uma nova lubrificação. Uma coisa que achei interessante foi a desmontagem das cordas, porque a princípio imaginei que seria mais trabalhoso devido ao tamanho do motor. Mas curiosamente foi muito mais fácil do que a experiência que tinve com pequeno Perophone que fiz a um tempo atrás. Apesar das cordas serem maiores e mais fortes, como o compartimento do motor também é grande, elas encaixam de forma menos comprimidas do que acontece em pequenos motores.

Finalmente com tudo pronto e montado é chagado o grande momento de ver a coisa toda funcionando. Para essa experiência selecionei um disco de 1904, com música Maxixe de Ferro interpretada pela Banda da Casa Edison. 

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

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