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VICTOR II
Publicado em 01 de maio de 2023

De acordo com as informações do The Victor-Victrola Page, o gramofone Victor II foi introduzido no mercado estadunidense em 1903. O modelo figurava entre as máquinas da Victor Talking Machine de preço intermediário, custando na época $ 30 dólares.

Pesquisando por informações sobre o gramofone aqui no Brasil encontrei um interessante anúncio de época no Propagandas Históricas, que me levou até o acervo digital da Biblioteca Nacional. O anúncio está na edição nº 622 da Revista da Semana, publicada em 13 de abril de 1912, no Rio de Janeiro. Aparentando ser de autoria da própia empresa Victor Talking Machine, o material publicitário anuncia o Victor II por um preço de 150$000. Podemos ver também uma observação que diz que os modelos vão de 40$000 à 1000$000.

Realizei também uma pesquisa nos catálogos da Casa Edison de 1918, 1919 e 1920, que acompanham o material extra do livro A Casa Edison e Seu Tempo, de Humberto Franceschi. Interessante notar que em nenhum dos três catálogos consta o preço das máquinas Victor. Mas no catálogo de 1920 é possível notar na página 179 que há uma anotação a mão que indica o valor de 200$000 para o Victor II. Se compararmos este preço com os dos outros gramofones no mesmo catálogo, que também possuem anotações a mão, obervamos que o valor do Victor II está mais próximo dos modelos luxuosos do que os de entrada.preço d

 

As primeiras versões do Victor II contavam com um motor de duas cordas, prato de 8 polegadas, gabinete de carvalho, reprodutor Exhibition e corneta chapéu de bruxa produzida em aço e bronze. Pagando um custo adicional o comprador também podia optar por uma corneta em formato de flor, ou ainda produzida em madeira. A partir de 1905, algumas alterações foram realizadas no modelo, o motor com duas cordas foi substituído por um motor com apenas uma e o tamanho do prato foi alterado para 10 polegadas.   

 

No caso deste Victor II, provavelmente o modelo é um dos produzidos tardiamente pela Victor Talking Machine. Possivelmente foi produzido no fim dos anos 1910, momento em que o Victor II estava sendo descontinuado e os modelos fabricados estavam sendo majoritariamente enviados para outros países.

Apesar deste Victor II contar com um motor de duas cordas, o que poderia nos levar a pensar que seria um dos primeiros modelos, há outros detalhes de acabamento que nos leva a crer que a fabricação provavelmente foi mais tardia. Além do prato de 10 polegadas característicos dos modelos pós 1905, as ferragens se assemelham bastante às usadas nas Victrolas do início dos anos 1920, sobretudo, o design da plaqueta de identificação produzida em alumínio. Além disso, considerando a informação do The Victor-Vitrola Page sobre a produção do Victor II ter atingido cerca de 150.000 unidades, a partir do número de série deste modelo, nº 61.239, suponho que sua fabricação ocorreu em momento mais avançado da produção do que inicial.

Importante considerar que apesar de constar datas nas plaquetas de identificação destas máquinas, estas dizem respeito aos registros de patentes e não ao momento exato que a máquina saiu da fábrica. No caso da Victor Talking Machine, há ainda uma etiqueta na parte interior ou inferior das máquinas, mas a data que consta nestas etiquetas está relacionada à licença de revenda dos produtos e podem divergir da data de fabricação.

Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
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Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine

Considerações feitas, vamos ao processo de restauração. Fazia tempo que eu queria restaurar um gramofone, mas estas máquinas estão cada vez mais raras de ser encontradas a venda aqui no Brasil. Há muitas réplicas à venda e os poucos gramofones originais são vendidos por preços bastante elevados. Então foram anos até eu encontrar a oferta de uma máquina em condições razoáveis por um preço mais acessível. E o que me chamou a atenção neste Victor II foi a originalidade das peça e a boa condição do gabinete em carvalho tigrado (tiger oak) e da corneta em formato de flor, ainda com os resquícios do decalque original.

Por outro lado, havia peças em condições muito ruins, como o prato que estava completamente enferrujado e com uma adaptação inusitada de uma borracha usada em toca-discos, ao invés do que originalmente seria um feltro. Havia também adaptações no suporte da corneta/braço, envolvendo o uso de um plástico para fixar a corneta, além de um anel de borracha ao invés das esferas que auxiliam o movimento do braço. No motor faltava os pesos do regulador de velocidade, havia uma corda quebrada e na desmontagem foi possível notar uma engrenagem com desgaste considerável. Por fim, o reprodutor também estava quebrado e faltavam peças. Ou seja, havia bastante trabalho para o gramofone voltar a funcionar.

Inicialmente fiquei em dúvida de como conduzir esta restauração, quando o equipamento está em condições muito ruins, é quase que inevitável refazer todo o acabamento. Mas neste caso o gabinete e a corneta estavam em boas condições, então havia também a possibilidade de manter certa originalidade do acabamento. E foi este caminho que procurei seguir neste trabalho.

Desmontei todo o gramofone e comecei o trabalho pela limpeza do gabinete utilizando óleo de limão e uma palha de aço bem fina (steel wool). Sobre o óleo de limão, existem diversas opções à venda e até mesmo receitas caseiras, eu utilizei um destinado à limpeza de escalas de instrumentos musicais, facilmente encontrado em lojas de artigos de música e luteria. A palha de aço bem fina é mais complicada de achar aqui no Brasil. Para se ter uma ideia uma palha de aço do tipo Bom Bril tem a graduação nº 0, enquanto a palha de aço bem fina que usei é nº 0000. O procedimento para a limpeza foi aplicar o óleo de limão em todo o gabinete (com as mãos mesmo), deixar agir por alguns minutos, depois esfregar cuidadosamente com a palha de aço para remover a sujeira acumulada. A palha de aço ajuda a recuperar o aspecto liso da superfície. Para finalizar o acabamento do gabinete apliquei duas demãos de cera para madeira e fiz o polimento para trazer um brilho.

A corneta estava numa situação mais desafiadora, porque havia marcas de desgaste da tinta e pequenos sinais de corrosão em alguns cantos. Nestes casos uma solução seria refazer toda a pintura, mas como eu havia decidido pelo caminho da conservação máxima do acabamento original, comecei a fazer testes com alguns produtos para tentar recuperar o acabamento. Já havia lido em fóruns relatos de pessoas que aplicam óleo penetrante, tipo WD-40, para “hidratar” e trazer o brilho das cornetas de volta. O antigo dono do gramofone havia feito este trabalho e notei que onde não havia desgastes da tinta realmente havia um brilho interessante. Mas nas partes desgastadas prevalecia um aspecto mais fosco e desbotado.

Obtive um resultado interessante aplicando graxa de sapato na cor preta, porque além dela tingir levemente a pintura recuperando um pouco a coloração, foi possível fazer o polimento após a secagem e obter um aspecto acetinado. Para acentuar um pouco mais o brilho experimentei aplicar cera de madeira e obtive um bom resultado. Obviamente que isto não recuperou totalmente os desgastes do tempo na corneta, mas foi o suficiente para deixá-la com uma boa aparência mantendo um toque de pátina. Com este procedimento também foi possível conservar o resquício do decalque original presente na corneta.

Utilizei este mesmo procedimento para recuperar o suporte do braço/corneta. Além do acabamento, o suporte estava sem as esferas do anel que auxiliam a movimentação do prato. Já tinha lidado com um sistema semelhante quando restaurei a Victrola VV-VI, então desmontei a mesma para medir o tamanho das esferas para procurar algumas semelhantes.

Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
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Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine

O diâmetro aproximado das esferas em milímetro é 3,0 mm. Procurei em algumas casas de rolamentos e esferas, mas nenhuma delas vendia poucas unidades, a venda era quase sempre por quilo ou acima de 100 unidades. Por sorte, encontrei anúncios no Mercado Livre vendendo poucas unidades. Fiz um teste instalando as novas esferas e o movimento do braço ficou excelente.

As peças niqueladas (braço, cotovelo da corneta, botão de ajuste de velocidade...) foram recuperadas com uma pasta de polir metais. Nos casos onde havia muita oxidação acumulada repeti o procedimento algumas vezes. Nas peças pequenas, incluindo parafusos, utilizei uma micro retifica com um disco de feltro. O cotovelo da corneta já havia perdido parte do níquel e não foi possível recuperar a peça completamente, como o desgaste era em pequenas áreas, optei por deixar como estava. O acionador do freio também não pode ser recuperado sem que o níquel original fosse removido junto com a espessa camada de ferrugem que o recobria. Fiz o lixamento da peça, começando com uma lixa grossa até chegar em um grão bem fino (2000) e finalizando com o polimento com massa. Esta técnica funciona bem, porém o aço enferruja relativamente rápido com o tempo. Uma solução é aplicar uma camada de verniz para proteger a peça ou dar um novo banho de níquel.

O próximo passo foi trabalhar na recuperação do prato, que estava emperrado no eixo do motor. Este é um problema corriqueiro. Eu costumo soltar o eixo do motor antes de começar o trabalho, para não correr o risco de danificar as engrenagens e as outras peças. Feito isso, o próximo passo é aplicar óleo penetrante, tipo WD-40, entre o eixo e o furo do prato. Às vezes eu realizo pequenas batidas na ponta do eixo para ajudar a soltar do prato.

 

Mas é importante fazer isso com cuidado, usando um macete, martelo de borracha, ou algum material que não danifique o eixo. Além disso, o prato deve ser apoiado cuidadosamente a partir da peça central. Apoiar o prato pelas extremidades ou pelas áreas mais finas pode ocasionar o empenamento.

Depois de remover o eixo do prato, retirei a borracha que o recobria e notei que havia uma camada bastante espessa de ferrugem. Realizei uma limpeza utilizando uma escova de aço acoplada na micro retífica. Nesta altura já não seria mais possível salvar o acabamento niquelado do prato. Então, fiz um bom lixamento na expectativa de uniformizá-lo, mas estava bastante deteriorado. Testei o prato na Victrola VV-VI, que possuí o mesmo diâmetro no eixo do motor, e notei que o prato estava empenado. Até consegui ajustá-lo um pouco, mas cheguei à conclusão que um “novo” prato seria um caminho mais fácil para deixar o Victor II com uma aparência e funcionamento melhor. Então, enquanto prosseguia com os próximos passos da restauração procurava um prato à venda no exterior. 

Segui para a revisão do motor. Como mencionei anteriormente, uma das cordas estava quebrada e foi necessário trocá-la. Também faltavam os pesos do regulador de velocidade e conversando com o amigo Andreas Triantafyllou - colecionador, pesquisador, restaurador e mercador de antiguidades - ele encontrou em seu acervo um regulador de velocidade de uma máquina Victor e consegui aproveitar os pesos.

Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine

Por fim, durante a desmontagem do motor descobri que a engrenagem que traciona o eixo do prato estava bastante gasta. Encontrei uma nova engrenagem no exterior e importei junto com o novo prato. O prato precisou de um banho de níquel e a substitição do feltro para ficar perfeito.

O passo final de todo o processo foi a restauração do reprodutor Exhibition. Faltavam algumas peças (molas e parafusos) e outras estavam danificadas (barra da agulha, flange e diafragma). Então foi necessário reconstruí-lo por completo, instalando novas molas, parafusos, barra da agulha, flange, diafragma e juntas. Não é comum encontrar essas peças à venda no Brasil, uma solução é importar de fornecedores no exterior. Uma procura no eBay pode ser um bom começo. 

Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine
Gramofone Victor II - Victor Talking Machine

Com tudo pronto é chegado aquele momento prazeroso de conferir o resultado de todo o processo. Para esta experiência escolhi uma gravação mecânica da Casa Edison de 1913, o famoso tango brasileiro Corta Jaca, composto por Chiquinha Gonzaga e interpretado nesta gravação pelo Grupo dos Sustenidos.

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

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