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THORENS CONCERT CD 43N
Publicado em 17 de outubro de 2021

Vitrola, radiola, eletrola... esses são alguns nomes usados para fazer referência a esses antigos móveis equipados com um rádio, toca-discos, amplificador e alto-falantes. Esses equipamentos foram bastante comuns nos anos 1950 e 1960, com diversos modelos fabricados por empresas tradicionais, como: Philips, Telefunken, RCA Victor, entre outras. Mas antes dessas marcas se popularizarem aqui no Brasil, esses móveis eram normalmente montados por empresas e lojas locais especializadas em som. 

 

Essa vitrola é um desses exemplos, foi montada em São Paulo, provavelmente em meados dos anos 1950. O conjunto conta com um rádio AM integrado a um amplificador valvulado, um toca-discos Thorens CD 43N, um pré-amplificador phono e os alto-falantes.

Todo o conjunto estava em bom estado de conservação, mas não estava funcionamento corretamente. Ao ligar o rádio era possível ouvir um chiado saindo dos alto-falantes. O prato do toca-discos girava, mas não havia cápsula e agulha no braço. O móvel de madeira continha marcas do tempo, mas sem grandes avarias que demandasse um processo oneroso de restauro.

Comecei o trabalho desmontando tudo para conseguir avaliar isoladamente cada parte do conjunto. Acredito que seja um procedimento eficiente fazer a revisão por etapas, resolvendo individualmente os eventuais problemas de cada equipamento, e só depois colocá-los para funcionar conjuntamente.

Com tudo desmontado, iniciei a revisão pelo toca-discos. O modelo Concert CD-43N foi lançado pela empresa suíça Thorens no começo dos anos 1950. Esse tipo de toca-discos é conhecido como changer, por ser um trocador automático de discos. De acordo com o manual, esse modelo consegue reproduzir automaticamente cerca de dez discos de 10 e 12 polegadas, ou um conjunto de doze discos de 7 polegadas. A velocidade de reprodução pode ser 33 1/3, 45 ou 78 rpm. É interessante notar que esse é um momento de transição de tecnologia, em que os tradicionais discos de 78 rpm estão sendo gradativamente substituídos pelos discos de vinil com rotação em 33 1/3 e 45 rpm.

O toca-discos veio com o papel original que protege o prato, que contém as instruções de fábrica sobre o correto manuseio do equipamento. Na parte inferior, o robusto motor está montado ao lado de um complexo mecanismo responsável por comandar a troca automática dos discos. A princípio não havia nenhum defeito aparente, apenas uma camada de sujeira misturada com a lubrificação velha. Então o primeiro passo foi fazer uma boa limpeza e aplicação de nova lubrificação nas peças.

Desmontando o motor foi possível observar certa similaridade com as antigas máquinas mecânicas e o percurso evolutivo dessas tecnologias ficou bastante evidente. A construção do motor elétrico e a forma como o mesmo é acoplado ao sistema de controle de velocidade lembrou muito o mecanismo da vitrola Paillard Nº 970N, fabricada ainda nos anos 1930. A diferença significativa é o conjunto de engrenagens que possibilita a rotação do prato nas três velocidades.

 

Foi interessante notar também que esse motor é de fato um direct drive, ou seja, o prato está montado diretamente no eixo do motor e a tração acontece sem o uso de correias, ou polias.

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Além da limpeza e lubrificação, fiz a troca do capacitor a óleo de 10nF localizado dentro da chave de seleção de tensão do motor. Coloquei um capacitor de poliéster de mesma capacitância no lugar.

 

Com o motor montado, fiz um teste preliminar e o mesmo funcionou bem nas três velocidades. Acoplei o prato no eixo do motor e fiz a medição das três velocidades de rotação usando o aplicativo para celular RPM Calculator. Incrível a precisão de rotação do motor nas três velocidades.

Prossegui a revisão do restante do mecanismo, mas optei por não desmontar o complexo sistema de braços e engrenagens que controlam a troca automática dos discos. Achei mais prudente fazer a limpeza e lubrificação com as peças no lugar, evitando perder os ajustes de fábrica. Caso algum mal funcionamento viesse a acontecer, aí sim a desmontagem seria justificável. Mas não foi o caso.

Havia uma significativa camada de poeira impregnada na superfície do toca-discos, ao ponto de parecer que pintura possuía um acabamento fosco. Fiz a limpeza inicial com uma esponja macia umedecida com água e detergente. Para evitar molhar o mecanismo na parte inferior, fui retirando o excesso de água com um pano seco. Realizada essa limpeza mais grossa da sujeira, concluí o processo polindo manualmente a superfície com uma massa nº 2, dessas comuns usadas em polimento automotivo. O resultado foi bastante satisfatório e o brilho reapareceu na superfície.

No entanto, durante a limpeza identifiquei dois pontos mais críticos no acabamento do toca-discos, o braço secundário que apoia os discos estava com pontos de ferrugem e com a cobertura de tinta bastante frágil.

Em alguns pontos a tinta começou a descascar logo no início da limpeza. Esse mesmo problema estava presente no anel que faz o acabamento envolta do braço principal do toca-discos.

Nesse caso a solução foi refazer a pintura dessas peças. Usei tinta esmalte comum em spray, mas apliquei uma camada de primer primeiro para aumentar a resistência do acabamento. Um detalhe desse processo foi que precisei realizar a pintura por etapas, uma vez que não consegui desmontar completamente o braço secundário. A base saiu facilmente com a remoção dos parafusos, mas os pinos das dobradiças da haste não saíram com facilidade. Para evitar danificar a peça, optei por pintar tudo montado.

O processo consistiu basicamente em proteger algumas partes com papel e fita crepe, de modo a isolar as partes que receberiam tinta. Depois de prontas, as superfícies pintadas foram sendo protegidas até que todas recebessem a tinta. As partes articuladas também foram protegidas para evitar que o acumulo de tinta prejudicasse o movimento das mesmas. Foi um processo bastante trabalhoso, que apesar de não ser o ideal, possibilitou uma boa recuperação do acabamento das peças.

Para concluir o trabalho com o toca-discos faltava instalar a cápsula e agulha. O Sr. Walter, o antigo proprietário da vitrola, havia me “cantado a bola” que provavelmente ela funcionaria bem com as cápsulas GE de relutância variável. Essa observação foi feita com base no pré-amplificador phono, que parecia ser compatível com essas cápsulas magnéticas. Partindo dessa informação fiz a “engenharia reversa” do pré-amplificador e comparei com outros circuitos sugeridos para as cápsulas GE de relutância variável.

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GE_VR_RPX_Triple_Play_adapter

Realmente o pré-amplificador era bastante similar aos projetos que encontrei, inclusive com o próprio circuito sugerido no manual da GE das capsulas modelo RPX.

Um detalhe que esqueci de mencionar é que essa vitrola é mono, a estereofonia ainda não era algo comum nos equipamentos domésticos dessa época. Outro ponto importante é que para tocar os discos nas três rotações é necessário o uso de agulhas diferentes. Isso acontece devido ao tamanho dos sulcos, que são maiores nos discos 78 rpm e menores nos discos com rotação em 33 1/3 e 45 rpm.

Para facilitar, existiam nessa época cápsulas chamadas de triple-play, que já contavam com  duas agulhas: uma com espessura maior (normalmente 2,5 ou 3,0 mm) para os discos de 78 rpm, e outra de menor espessura (1,0 mm) para os discos de 33 1/3 e 45 rpm. Para alternar entre as duas agulhas, essas capsulas cotavam um sistema de comutação por meio de algum tipo de alavanca.

As cápsulas GE de relutância variável possuem versões com uma ou duas agulhas. No entanto, essas cápsulas não são tão comuns atualmente, inclusive são bastante disputadas nos leilões que acontecem no Ebay. Por sorte encontrei uma GE RPX a venda aqui no Brasil em excelentes condições. A cápsula veio com uma agulha nova para tocar os microssulcos dos discos em 33 1/3 e 45 rpm. Então foi necessário apenas acrescentar a agulha para os discos em 78 rpm, no caso uma Pfanstiehl de 2,5 mm de espessura.

Um detalhe em relação à instalação da cápsula, a haste de comutação das agulhas era curta para o tamanho do shell do toca-discos. Então foi necessário fazer uma adaptação para prolongar o comprimento da haste. Acabei fazendo uma peça a partir de um pequeno pino de plástico, que funcionou muito bem para resolver o problema.

Com a cápsula montada no braço, finalmente consegui realizar um teste do toca-discos. Como o amplificador que usei no teste não possuía um pré-amplificador phono o resultado sonoro não foi o adequado. Mas a ideia era apenas conferir se o funcionamento geral estava correto, principalmente o mecanismo de troca automática dos discos. Como eu havia removido o braço secundário que apoia os discos para pintar as peças, foi necessário fazer alguns ajustes para que tudo funcionasse perfeitamente.

Toca-discos concluído, segui para a revisão do rádio e amplificador, que formam juntos um sistema integrado montado em um único chassi. A fonte de alimentação, por sua vez, foi montada separadamente em outro chassi, o que achei bastante interessante.

Inicialmente, pensei que a fonte de alimentação não seria um problema e que após a troca de alguns capacitores ela já estaria pronta. Mas ao analisar o circuito cuidadosamente, notei que havia pontos abertos e componentes e cabos com soldas bastante ruins. Dessa forma, precisei mapear os componentes e identificar todas as ligações do circuito, procurando recuperar os pontos de conexão do projeto original.

Com um esboço desse esquema em mãos fiz a remontagem de toda a fonte. Aproveitei para trocar todo o cabeamento antigo e um velho capacitor a óleo. Foi necessário também refazer as conexões de entrada e saída do transformador, uma vez que o isolamento dos cabos antigos estavam se deteriorando e havia um risco iminente de curto circuito. Aproveitei a desmontagem do transformador para pintar novamente a carcaça na cor preta. O aspecto final ficou bastante agradável.

O próximo passo foi a revisão do circuito do rádio/amplificador. Confesso que não tive uma boa impressão da montagem do circuito, a sensação foi de um serviço feito às pressas e sem muitas preocupações com um trabalho bem-acabado. Inclusive, havia componentes em que o excedente do terminal soldado não havia sido aparado.

Inicialmente ponderei em refazer boa parte do circuito, mas como não tinha o esquema elétrico, esse trabalho demandaria muito tempo e envolveria potenciais riscos de montar algo fora do lugar. 

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ge_rpx_preamp

Então dei um passo atrás e comecei fazendo uma limpeza geral com álcool isopropilico para remover o excesso de pó acumulado. Aproveitei para limpar as válvulas e conferir a emissão de cada uma delas com um testador de válvulas. Em seguida fiz a troca dos capacitores a óleo e eletrolíticos, dois tipos que costumam apresentar problemas ao longo do tempo. Como os capacitores eletrolíticos modernos são minúsculos comparados aos antigos, algumas pessoas os instalam dentro da carcaça dos antigos. O intuito desse procedimento é manter a aparência original dos equipamentos. Acho essa ideia bem interessante, mas não obtive bons resultados fazendo alguns testes com capacitores velhos que tinha por aqui. Então fiz um meio termo, mantive os capacitores eletrolíticos antigos que ficam visíveis na parte externa do chassi e instalei os capacitores novos na parte interna do circuito. Claro, os capacitores antigos foram desconectados do circuito.

Além da substituição dos capacitores, troquei também um ou outro resistor que apresentava o valor fora da faixa de tolerância. Também troquei alguns cabos que estavam muito velhos e aproveitei para refazer alguns trechos do circuito onde eu já estava mexendo. Concluído esse processo, fiz um teste do circuito usando um sinal externo e o mesmo chegou até ao alto-falante. Ajustei o rádio e consegui sintonizar uma rádio AM aqui da região e a frequência mostrada no dial era compatível com a emissora. Confesso que fiquei aliviado com os bons resultados. Sem o esquema elétrico em mãos seria um quebra-cabeça resolver problemas no circuito.

Repeti esse mesmo processo com o pré-amplificador phono, que fica montado em um pequeno chassi separado. Fiz uma limpeza geral e troquei todos os capacitores. Nesse caso, optei por trocar também os resistores, uma vez que estavam todos fora da faixa de tolerância. Montei um novo cabo de áudio que liga a saída da cápsula do toca-discos na entrada do pré-amplificador e também o cabo que conecta a saída do pré-amplificador na entrada do amplificador.

Com todos os equipamentos revisados chegou a hora de testar todo o conjunto. O resultado foi maravilhoso, tudo funcionando perfeitamente e com uma qualidade sonora bastante agradável. Passei a tarde ouvindo algumas músicas e observando a mágica do sistema de troca automática dos discos. Curioso pensar que esse interessante sistema automático tenha sido abandonado com o tempo.

Esqueci de mencionar um detalhe sobre os alto-falantes, a vitrola possuí um woofer de 12 polegadas e um médio agudo de aproximadamente 4 polegadas. Este último estava com pequenos furos no cone, aparentemente causado por cupins. Mas como o estrago era pequeno, acredito que tenha sido um problema pontual. Até porque o próprio móvel não apresentava marcas significativas de cupins, apenas um furinho ou outro. Se fosse uma infestação, com certeza o estrago teria sido muito maior. Enfim, a solução para o alto-falante foi o recondicionamento e instalação de um novo cone.

Já o woofer de 12 polegadas não apresentava furos, mas possuía uma emenda em partes consideráveis da borda. Decidi fazer alguns testes antes de optar pelo recondicionamento. Ouvi por horas o alto-falante conectado a um amplificador mais moderno que tenho aqui. Variei os ajustes de volume, grave, agudo e troquei por várias vezes a fonte sonora. Auditivamente não consegui observar significativas distorções provocadas pela emenda. Então, deixei como estava.

Por fim, sobre o acabamento do móvel. Comentei lá no início que o mesmo estava em boas condições, apenas com algumas marcas naturais do tempo. Então fiz uma boa limpeza de todas as partes externa e internas. Desmontei e lavei a tela frontal que protege os alto-falantes, limpando as manchas circulares de poeira acumulada. E finalmente montei todas as partes novamente no móvel. Adicionei uma pequena chapa de MDF perfurado para tampar o compartimento onde fica o rádio e o amplificador. Acredito que esse material perfurado vai permitir a ventilação das válvulas e ao mesmo tempo prevenir um novo acumulo de poeira dentro do móvel.

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Com tudo pronto, chegou a hora de conferir o resultado desse longo processo que durou meses. Selecionei alguns discos de jazz e blues em 78 rpm para ajudar nessa viagem no tempo, com músicas interpretadas por Billie Holiday e Art Tatum, entre outros artistas. 

Nesse segundo vídeo estou usando um adaptador (spindle) que permite tocar os compactos em 45 rpm, aqueles discos pequenos que possuem um grande furo central (formato que ficou muito conhecido através das clássicas máquinas jukebox).

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

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