top of page

EDISON STANDARD MODEL B
Publicado em 01 de junho de 2023

O Standard Model B é um dos modelos mais comuns entre os fonógrafos que foram fabricados pela empresa de Thomas Edison. Nos EUA este modelo não figura entre as máquinas mais raras, mas no Brasil são consideravelmente difíceis de encontrar. Esse foi o segundo fonógrafo Edison em que trabalhei, mas diferente do primeiro, este aqui demandou uma restauração completa, envolvendo um longo processo, que foi pensado nos mínimos detalhes.

Em relatos anteriores já comentei sobre uma grande discussão no universo da restauração sobre quais seriam os limites das intervenções a serem feitas em uma peça para se conservar ao máximo sua originalidade. Essa é uma questão complexa, que na minha opinião depende de diversos fatores.

Nesta restauração optei pelo caminho de refazer tudo do zero, uma vez que as condições do fonógrafo estavam bastante ruins. Além disso, minha intenção também era aproveitar todo o processo para testar e desenvolver novas habilidades. Entretanto, mesmo numa restauração mais “radical” como esta, procuro respeitar os aspectos históricos da máquina, usando materiais e técnicas condizentes com a época da sua fabricação.

O primeiro passo foi a reforma do gabinete, que estava com algumas partes descoladas e outras quebradas. Comecei desmontando as laterais do gabinete para refazer a fixação. A cola usada nesta época é de base animal, conhecidas como hide glue. Uma das características desta cola é a sensibilidade ao calor e a umidade, ou seja, se exposta a essas condições este tipo de cola começa a amolecer. Então revesti as juntas a serem descoladas com papel toalha umedecido com água e cobri com plástico filme para retardar a evaporação. Deixei descansar de um dia para o outro e foi possível descolar as peças exercendo uma pequena força mecânica, com cuidado para não danificar.

Com as laterais do gabinete descoladas, foi possível notar que algumas estavam ligeiramente empenadas. Existem várias técnicas para desempenar madeira. Recorri ao mesmo procedimento que utilizei na restauração do Pathé Nº 0, que consiste basicamente em colocar a peça de molho na água por algumas horas, para hidratar as fibras da madeira, e depois deixá-la secar em uma superfície plana, exercendo certa pressão na parte empenada para nivelá-la. Costumo usar grampos para fazer a pressão, deixando-os levemente apertado por uns 3 a 4 dias. Depois vou aliviando a pressão gradativamente até completar uma semana.

restauração-fonografo-edison-standard-model-b
desempeno_edited.jpg
restauração-fonografo-edison-standard-model-b
restauração-fonografo-edison-standard-model-b

Após o desempeno, o passo seguinte foi realizar a colagem das laterais usando uma cola hide glue semelhante à original. É possível encontrar esse tipo de cola em lojas que vedem materiais para luteria. Além de usar grampos do tipo gaveta para facilitar a colagem, também é importante conferir o alinhamento das peças com um esquadro. A vantagem deste tipo de cola é que o processo é reversível, então se algo der errado na colagem é só umedecer as juntas, soltar as peças e refazer todo o trabalho.

A moldura que apoia a base do mecanismo estava quebrada e também precisou ser colada de maneira semelhante às laterais do gabinete. Além disso, faltavam alguns pedaços do gabinete: uma parte da base e um friso na lateral da tampa. A base foi menos complicada de resolver, porque eu tinha uma peça semelhante guardada, que sobrou de uma sucata de um gabinete de fonógrafo que havia adquirido tempos atrás para realizar testes de acabamento. Foi necessário fazer ajustes para emendar as peças corretamente e alinhar os furos da base com a parte superior do gabinete.

Enquanto procurava o pedaço de friso para a lateral da tampa, acabei encontrando uma tampa completa em boas condições, o que acabou sendo uma melhor opção. Uma vez que, além da falta do friso, havia também alguns amaçados profundos na parte superior da tampa, o que talvez não fosse possível corrigir.

Com a estrutura do gabinete completa já era possível realizar a aplicação do novo acabamento. Comecei removendo o que restou do acabamento original usando um removedor de tinta em gel. A vantagem de utilizar o removedor é a economia de trabalho no processo de lixamento. Removendo a tinta primeiro é possível iniciar o lixamento com uma lixa mais fina. Por exemplo, nas peças em que não havia acertos a serem feitos, comecei o com uma lixa 220 e finalizei com 320. Nas partes em que havia a necessidade de fazer algum ajuste ou nivelamento, comecei com uma lixa 120. É importante usar taco durante o lixamento para desbastar as superfícies de maneira uniforme.

Com o gabinete todo preparado, iniciei a aplicação do acabamento. O material usado nestes fonógrafos é a goma laca, que pode ser aplicada com pincel, boneca ou pistola. Eu tenho preferido aplicar a goma laca com boneca usando uma técnica chamada polimento francês. Mas neste fonógrafo também usei a pistola para aplicar camadas de goma laca sobre os decalques, falarei sobre isso mais adiante. Sobre a forma de preparação da goma laca fiz um relato mais detalhado na restauração da Victrola VV-VI, lá também deixei algumas indicações de materiais de referência para estudo.

A coloração do acabamento do gabinete do modelo B é chamado de carvalho antigo (antique oak), uma tonalidade mais próxima do marrom misturada com um toque “quente” proveniente do alaranjado da goma laca. No Brasil não temos tantos produtos à disposição como vemos nos relatos de restauradores de outros países. Então é preciso criatividade. Fiz alguns testes de produtos e cheguei numa tonalidade interessante usando o tingidor base d’agua cor nogueira da Sayerlack. Usei uma diluição de 3 partes de tingidor e 1 parte de água.

No fim tive a impressão que o tom ficou um pouco mais escuro do que havia planejado, porque tem um detalhe importante, que é fechar os poros da madeira usando um preenchedor de grão (grain filler) tingido com uma cor mais escura. Isso ajuda a evidenciar o contraste entre dos veios e a superfície da madeira. Como tingi o preenchedor de grão na cor preta, depois da aplicação acabou escurecendo um pouco mais o gabinete. Numa próxima vez, penso em testar uma maior diluição do tingidor do gabinete, talvez partes iguais de água e tingidor.

De forma resumida, as camadas do acabamento foram construídas da seguinte forma: tingimento do gabinete (tingidor nogueira) > selagem com goma laca (3 demãos) > fechamento dos poros com preenchedor de grão (tingido na cor preta) > selagem com goma laca (3 demãos) > finalização com o polimento francês, cerca de 9 sessões.  

Feito todas as etapas, costumo deixar secar pelo menos uma semana inteira para garantir que a goma laca solidifique por completo. Após este tempo de secagem, faço a aplicação do decalque. É possível encontrar boas reproduções de decalques fabricados por pessoas especializadas. Um fornecedor bastante renomado entre os restauradores é Gregory Cline, é possível encomendar os decalques dele diretamente pelo site Phonodecal. Inclusive, no site há dicas sobre a aplicação dos decalques.

Depois de aplicado, é recomendado dar algumas demãos de goma laca por cima do decalque para protegê-lo e também suavizar o contorno das bordas, de modo que o decalque se “funda” no acabamento. Li vários relatos de restauradores que obtém bons resultados aplicando a goma laca por cima dos decalques usando pincel ou boneca. Mas obtive melhores resultados aplicando com a pistola. Inicialmente foi trabalhoso chegar em uma regulagem legal do equipamento, mas utilizando uma goma laca mais final (diluição de 1 cut) obtive uma cobertura lisa e uniforme. Antes de aplicar a goma laca com a pistola, revesti todo o gabinete com papel pardo e fita crepe, deixando exposta apenas a superfície do decalque na parte da frente do gabinete. 

IMG_1325_edited.jpg
IMG_1332_edited.jpg
IMG_1340_edited.jpg
IMG_0688_edited.jpg
IMG_1351_edited.jpg

Apliquei aproximadamente 10 demãos finas, deixando secar por 12 horas após cada 3 a 4 demãos. Antes de aplicar as últimas demãos, fiz um lixamento cuidadoso com lixa 600 para nivelar a superfície e suavizar ainda mais as bordas do decalque.

Como era esperado, após a retirada da fita crepe e do papel pardo ficou uma emenda perceptível, uma linha sobressalente dividindo a parte da frente do gabinete das laterais. Mas isso foi facilmente resolvido com uma lixa fina e uma última aplicação de goma laca com boneca em todo o gabinete. Após algumas semanas secando, finalizei o processo com cera para madeira.

A próxima etapa do acabamento foi a pintura preta da base do mecanismo, braço do reprodutor, capa das engrenagens e a porta que trava o mandril. Todas essas peças são originalmente pintadas em black japanning, uma antiga tinta feita com base de asfalto. Este é um material difícil de encontrar aqui no Brasil e sua aplicação não parece ser tão simples. Considerando que por cima do black japanning, há também camadas de goma laca para proteger os decalques, na minha opinião o uso de outra tinta não altera o aspecto final das peças. Então realizei a pintura com tinta esmalte sintético mesmo, dessas bem comum indicada para uso geral.

Fiz o mesmo processo de remover primeiro o acabamento velho com removedor de tinta e só depois fazer o lixamento. Antes de pintar, protegi os furos introduzindo rolinhos de papel e cobri algumas partes com fita crepe para evitar pintar lugares indesejados. Apliquei 3 demãos de primer para melhorar a aderência da tinta e também para ajudar nivelar a superfície. Fiz um lixamento com lixa 320 antes de aplicar a tinta preta.

IMG_1354_edited.jpg
IMG_1366_edited.png
IMG_1369_edited.png

Apliquei umas 4 demãos da tinta preta e esperei secar por alguns dias. Em seguida, apliquei 3 demãos fina de goma laca com a pistola. Mas como eu não fiz um lixamento antes de aplicar a goma laca, ela não aderiu bem na superfície. Então, lixei todas as peças e reapliquei as 3 demãos de goma laca e o problema foi resolvido. A goma laca ancorou bem na superfície do esmalte sintético.  

O passo seguinte foi aplicar os decalques na base do mecanismo: a assinatura de Edison no apoio do braço, as flores que brotam dos furos e as linhas que contornam as bordas da base. Esse trabalho é bastante delicado de ser realizado, pois o material do decalque é extremamente fino e exige muito cuidado para não rasgar, principalmente as linhas finas que contornam a base. Recomendo reservar um tempo para fazer isso com paciência e tranquilidade.

Com os decalques aplicados, voltei para o processo de pintura para aplicar as demãos de goma laca para protegê-los. Novamente fiz isso usando a pistola, aos moldes do processo do gabinete, aplicando umas 10 camadas finas de goma laca e fazendo o lixamento com lixa 600 antes das últimas demãos. Aproveitei também para aplicar mais algumas demãos nas outras peças para deixa-las com uma coloração uniforme, já que a goma laca dá uma leve “esquentada” na cor com sua tonalidade alaranjada.

Ainda sobre o acabamento das partes do mecanismo, em algumas peças foi possível recuperar a cobertura niquelada fazendo um polimento com pasta de limpeza para metais. Mas boa parte delas estavam completamente oxidadas de modo que não foi possível remover a camada de ferrugem sem danificar o que restava do níquel. Então, realizei uma boa limpeza das peças e levei para um novo banho de níquel.

Como a ideia era cuidar dos mínimos detalhes nesta restauração, também recuperei cada parafuso que estava com “machucados” da chave de fenda. Com uma pequena lima acertei cada um deles, removendo todas as rebarbas. Para recuperar a cor preta dos parafusos, fiz um procedimento de aquecê-los por alguns minutos em um fogão de alta pressão e depois mergulhá-los em óleo de motor.

A placa de identificação estava com o níquel bem preservado. Mas a pintura do baixo-relevo estava meio desgastada. Fiz uma aplicação de tinta preta para melhorar o acabamento. Usei esmalte sintético preto fosco em spray e apliquei duas demãos. Depois de algumas horas removi a tinta da parte em alto-relevo com uma lixa 2000, cuidadosamente para preservar a tinta na parte em baixo-relevo. É possível fazer isso posicionando a lixa em uma superfície bem plana, como um vidro, de modo que somente a parte em alto-relevo encoste na lixa. 

Vencida todas estas etapas do acabamento, prossegui para a revisão do motor. Aqui não havia muito segredo, o procedimento de sempre: desmontar tudo, limpar a sujeira, remover a graxa velha, montar e aplicar nova lubrificação. Havia apenas um reparo importante a ser feito: instalar uma nova mola e peso que estavam faltando no sistema de controle de velocidade. Na verdade, o peso estava solto dentro do gabinete, então foi possível aproveitá-lo e apenas instalar uma mola nova. Um detalhe chato é que neste fonógrafo o peso é rebitado na mola e não parafusado, como é comum na maior parte das máquinas. Consegui remover a mola quebrada do peso sem danificar a pontinha de metal onde ela estava fixada, inseri a mola nova no lugar e com algumas batidas de martelo a pontinha amaçou novamente travando a mola nova.

Esqueci de mencionar anteriormente dois detalhes importantes, este fonógrafo estava sem o reprodutor e a corneta. Sobre a corneta, não é muito fácil encontrar originais à venda e, as poucas que se encontra, os preços não são muito convidativos. Mas existem reproduções muito bem feitas vendidas por valores mais acessíveis. Um lugar onde elas podem ser encomendadas é no Antique Phonography Supply Co.

IMG_0678_edited.jpg
placas.jpg
IMG_20221218_153004_edited.jpg

O reprodutor usado neste fonógrafo é o Model C, eu tinha um guardado que encontrei à venda tempos atrás. Mas ele não estava em boas condições, estava com a agulha de safira quebrada e com as juntas do diafragma deterioradas. Esses reprodutores originalmente possuem duas juntas de borrachas acompanhadas por duas juntas de papel, que são instaladas conjuntamente na parte superior e inferior do diafragma. Existem pessoas que utilizam somente as juntas de borracha, outras usam juntas de papel cartão, outras preferem as de cortiça. No fundo a principal função das juntas é fazer a vedação da passagem de ar e minimizar as perdas na propagação do som. Então acredito que todos os tipos de materiais podem desempenhar um bom papel. Eu utilizei as de borracha e tive um bom resultado.  

Sobre a agulha de safira, elas são fixadas na barra do reprodutor com goma laca, ou cera de abelha. Para removê-la basta esquentar com um ferro de solda usado em eletrônica. Ter uma lupa e uma boa iluminação à disposição pode ajudar bastante o trabalho. Removida a ponta quebrada, instalei a nova safira e a fixei com goma laca. Deixei secar de um dia para o outro antes de testar.

IMG_9894_edited.jpg
IMG_20230404_182222_edited.jpg
IMG_20230404_184316_edited.jpg
IMG_20230404_191654_edited.jpg

Com o diagrama montado já estava tudo pronto para os primeiros testes. Na verdade, quase tudo. Faltava uma correia para conectar o motor no mandril. Decidi fazer uma correia de couro, como eram as originais. Aqui tem um vídeo bem legal com dicas de como fazer uma correia.

Finalmente, depois de mais de 8 meses de trabalho, envolvendo pesquisas, testes e muitos processos, o fonógrafo ganhou vida nova! Como se tivesse acabado de sair da fábrica lá nos primeiros anos de 1900. Para acompanhar o novo visual do fonógrafo, selecionei um cilindro novo para experimentar a máquina. Isso mesmo, por incível que pareça, ainda hoje há projetos interessantíssimos de gravação de cilindros novos para fonógrafos. Talvez um dos mais reconhecidos atualmente são os cilindros produzidos pela Vulcan Records. O que vamos ouvir é da BUGHLT RECORDS, um belíssimo projeto do artista Red Martian que explora vários suportes históricos para gravar suas músicas. A música se chama ett vyott, composta pelo próprio Red Martian e gravada em cilindro de 2 minutos.

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

bottom of page