CASA EDISON VOXOPHON
Publicado em 04 de setembro de 2021




Essa vitrola de mesa foi fabricada pela Casa Edison do Rio de Janeiro, possivelmente em meados dos anos 1920. Falar sobre a Casa Edison mereceria um texto a parte para dar conta de todos os detalhes dessa importante história do início da indústria fonográfica brasileira. Para quem tiver interesse recomendo o livro Casa Edison e Seu Tempo, escrito por Humberto Franceschi.
Apesar de fabricada no Brasil, essa Voxophon é composta por boa parte das peças da Odeon, inclusive a logomarca da empresa alemã aparece estampada em algumas peças. Isso não é uma surpresa, já que Casa Edison mantinha uma estreita relação de negócios com a Odeon, na venda de máquinas sonoras, acessórios, peças e, principalmente, na gravação, produção e distribuição de discos.
Começando pela revisão do mecanismo, como é de costume foi necessário realizar uma boa limpeza geral para remover toda a lubrificação velha e eventuais sujeiras nas peças. Como a graxa estava bastante dura, dessa vez foi necessário o uso de uma pequena escova de aço umedecida com querosene. Esfregando com cuidado foi possível remover todos resíduos das peças. Felizmente estavam quase todas em ótimas condições.
Havia apenas uma emenda na mola (corda), provavelmente um reparo antigo devido ao rompimento da mesma. Mas com lubrificação nova a emenda não pareceu atrapalhar o o correto funcionamento do motor. Não apareceu nenhum barulho desagradável e foi possível reproduzir com sobra um lado completo de um disco de 12 polegadas, um resultado bastante satisfatório.
Em relação ao acabamento, de início o que chamou mais a atenção foi uma trinca na parte superior da tampa. Interessante foi notar que o padrão das duas extremidades de madeira separadas pela trinca possuíam exatamente o mesmo padrão, o que nos leva a pensar que provavelmente as peças se separaram devido à contração da madeira. Curiosamente olhando imagens de outras vitrolas iguais a essa na internet, encontrei uma que apresentava uma trinca bastante semelhante a essa.
Uma solução para essa trinca seria remover toda a placa de madeira que cobre tampa para juntar e colar as duas partes novamente. Mas isso necessariamente demandaria refazer o acabamento do gabinete para uniformizar a emenda e todas as outras partes do gabinete. Quando falamos em refazer o acabamento dessas máquinas centenárias o assunto fica bastante controverso.




No universo dos colecionadores existem pessoas que defendem que a originalidade deve ser mantida a todo custo, mesmo que haja peças que não estejam em perfeitas condições. Outras pessoas preferem alcançar um resultado estético semelhante ao momento em que a máquina saiu da fábrica há décadas atrás. Mas nesse caso, muitos defendem também que o ideal é buscar uma certa “coerência histórica” na escolha dos materiais preservando as características dos produtos utilizados em cada época. Por exemplo, se um gabinete de madeira foi finalizada com goma laca, não seria adequado aplicar um verniz moderno com base poliuretano. Existem considerações interessantes sobre esse assunto aqui no The Victor-Victrola Page.
Voltando ao caso da Voxophon, analisando o gabinete havia vários sinais de que o acabamento já havia sido alterado em algum momento. Inclusive algumas marcas denunciam que o serviço anterior não foi realizado com todo o cuidado que se espera. Para se ter uma ideia, havia verniz aplicado em lugares onde não deveria, como em partes do braço e em outras ferragens. É provável que o trabalho tenha sido realizado sem que essas peças fossem primeiramente removidas.
Nesse caso podemos dizer que a tal originalidade já havia sido perdida e junto com ela qualquer receio de modificar novamente o gabinete. Assim o reparo foi realizado, a trinca na tampa foi concertada e o um novo acabamento aplicado sobre todo o gabinete.
Para acompanhar o novo acabamento do gabinete, um novo banho de níquel foi realizado em algumas peças que estavam oxidadas. O tecido furado e manchado do prato também foi trocado por um material semelhante.
A vitrola estava com um reprodutor Tonofox, marca também de origem alemã como as peças Odeon. O mais curioso desse reprodutor é que esse modelo possuí um sistema de controle de intensidade sonora por meio de um mecanismo que abre e fecha a passagem de ar para a corneta. Apesar de de ser algo relativamente simples, é bastante raro de se ver por aí. Inclusive, encontrei poucas referências sobre esse modelo, aqui no Graphonogram foi onde encontrei mais detalhes. Ocorreram alguns contratempos durante o restauro desse interessante reprodutor e acabei fazendo um relato separado aqui para descrever os detalhes e resultados desse processo.
Para finalizar o restauro contei com a sorte de encontrar a venda um reprodutor original Voxophon. Na verdade, a peça também é Odeon, mas a Casa Edison acrescentava a sua própria identidade visual. O reprodutor que encontrei não estava em perfeitas condições, de modo que foi necessário realizar alguns reparos. O primeiro passo foi desmontar tudo.
O diafragma de mica estava em boas condições, apesar de haver algumas marcas no centro do mesmo, onde a barra é fixada. Provavelmente essa pequena avaria ocorreu devido a algum impacto sofrido pela barra, porque ela estava ligeiramente torta. Para realinhá-la foi necessário desmontar, removendo o pequeno parafuso que fixa a barra no diafragma.
Essa junção entre barra e diafragma também é selada com cera, normalmente cera de abelha aquecida. Dessa forma, durante a montagem, após fixar novamente a barra no diafragma com o parafuso, é necessário selar a junção com uma pequena quantidade da cera.




Existem várias formas de fazer esse procedimento, costumo colocar pequenas quantidades de cera em volta da barra e aquecer com um ferro de solda limpo para fundir a cera envolta de toda a junção entre a barra e o diafragma. Além desse ajuste, também foi necessário trocar as juntas que acomodam e selam o diafragma de mica no corpo do reprodutor, elas estavam completamente ressecadas. As juntas que também vão na parte de trás do reprodutor entre o corpo e o encaixe do braço também estavam ressecadas. Uma solução é fazer novas juntas cortando uma manta de borracha, ou silicone.
Aproveitando a desmontagem completa do reprodutor também foi realizada uma limpeza geral das peças. É importante uma atenção para não limpar demais e remover também os banhos de níquel ou latão que recobre algumas peças. O que não era o caso do corpo desse reprodutor, que é produzido e acabado inteiramente em alumínio. Assim foi possível usar um método mais “agressivo” para remover as sujeiras. Primeiro um lixamento da peça para remover as manchas, começando com lixas mais grossas até finalizar com uma lixa d’água 2000. O intuito é ir removendo os riscos provocados pela própria lixa até o final do processo. Para finalizar vale um polimento com massa, essas usadas para polir automóveis funciona. Um detalhe sobre a parte recartilhada do corpo do reprodutor, nessa parte fiz apenas a limpeza com usando cuidadosamente uma micro retífica com disco escova com fios de aço. Como as outras peças do reprodutor possuem banhos de níquel e latão, acabei fazendo apenas o polimento cuidadoso com massa e foi o suficiente para remover as oxidações e trazer o brilho das peças novamente.
Com tudo montado e ajustado, é chegada a hora mais esperada de conferir o resultado. Para proporciona uma experiência ainda mais rica utilizei um disco gravado no Rio de Janeiro pela Casa Edison em 1906. A música é Margarida, uma mazurca interpretada por Patápio Silva.