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AKAI TERECORDER DELUXE
Publicado em 21 de março de 2021

O Terecorder Deluxe foi produzido pela empresa japonesa Akai entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Esse modelo é uma versão mono do gravador, com apenas uma pista na cabeça de gravação e reprodução. Mas também existe o modelo Terecorder Stereo Deluxe, que possuía duas pistas na cabeça de gravação e reprodução e conta com uma unidade de amplificação a parte para reproduzir o segundo canal. 

 

A restauração desse gravador foi longa e trabalhosa, levou quase oito meses para ser concluída. Além dos defeitos esperados em algumas peças devido à deterioração provocada pelo tempo, o gravador também possuía diversas modificações, de detalhes no acabamento a adaptações nas partes mecânicas e eletrônicas.

Dividi o relato do processo em três partes: a reforma do mecanismo de transporte da fita, em seguida a revisão do circuito eletrônico e por fim a restauração do acabamento, procurando devolver ao gravador o visual original de fábrica.

Começando pelo mecanismo, tal como a reforma de máquinas sonoras mecânicas, o primeiro passo nesses equipamentos antigos é realizar uma boa limpeza para retirar resíduos da lubrificação velha e aplicar novas camadas de óleo e graxa. Nos mancais, buchas, eixos e rolamentos, costumo usar o “bom e velho” óleo Singer. Aplico graxa (ou vaselina industrial) em engrenagens e nos encaixes em que as peças metálicas trabalham se movimentando umas sobre as outras.

Além da lubrificação, outro problema comum nessas máquinas que trabalham com correias e polias é a borracha, que naturalmente resseca com o tempo. No caso desse gravador, foi necessário trocar a correia do motor e também a do contador de voltas da fita, ambas estavam totalmente deterioradas. Para minha sorte, a Akai seguiu por um bom tempo fabricando os mecanismos seguindo um certo padrão de projeto, de modo que as correias dos gravadores da série 4000 (DS, DB, GX...) serviram perfeitamente nesse modelo.

Também foi necessário substituir as duas polias que tracionam os carreteis que transportam a fita, ambas estavam ressecadas e bastante duras. Novamente recorri às polias da mecânica dos gravadores da série 4000, que serviram perfeitamente no mecanismo do Terecorder Deluxe. Por terem sido bastante vendidos no Brasil, não é tão difícil encontrar peças retiradas dos gravadores Akai da série 4000.

akai terecorder deluxe mecanismo
akai terecorder deluxe - polias
akai terecorder deluxe - rolo pressor

Outra peça emborrachada que precisou ser substituída foi o rolo pressor. No caso desse gravador, a borracha estava em boas condições para uso, mas o rolo pressor foi adaptado de outra máquina. Com a medida do furo da bucha central maior, o rolo pressor estava rodando com bastante folga no eixo de encaixe, não oferecendo estabilidade na tração da fita.

 

Recorri novamente às peças dos gravadores Akai da série 4000, mas o rolo pressor é ligeiramente diferente do Terecorder Deluxe, por possuir uma bucha um pouco mais longa. Acabei optando por cortar um pedaço da bucha de um rolo pressor do Akai 4000DS para resolver o problema.

 

Os rolos pressores são vendidos por um alto valor nos dias de hoje, principalmente os já recondicionados, então talvez essa adaptação não seja a mais acessível de ser feita. Uma alternativa teria sido refazer a bucha central do rolo pressor, que já estava adaptado no gravador. No entanto, como eu tinha um rolo pressor do 4000DS guardado, optei por fazer essa adaptação pela maior facilidade e agilidade. 

 

Ainda em relação ao mecanismo, durante a limpeza, lubrificação e troca das polias e correias, reparei que o motor estava fixado de forma improvisada. Os suportes que são parafusados no chassi foram substituídos por pedaços de tubos de borracha.

 

Outra modificação também foi feita na ligação do motor. A chave elétrica de seleção 50Hz/60Hz foi removida, retirando do circuito uma seção do capacitor do motor. Esse motor trabalha com capacitor duplo (2uf + 0,5uf). Quando ligado em 60Hz o motor usa somente a seção 2uf. Quando conectado em 50Hz você precisa girar a chave elétrica para adicionar a seção 0,5uf do capacitor paralelamente ao circuito para o motor operar com o total da capacitância de 2,5uf.

Talvez a chave tenha sido removida por ter quebrado em algum momento. Como o gravador provavelmente sempre seria utilizado no Brasil, funcionando sempre conectado na rede elétrica em 60Hz, a ligação direta não altera o seu funcionamento. Uma adaptação não muito "elegante", mas funcional.

Eu poderia colocar uma nova chave e refazer a conexão original do motor. No entanto, medindo o capacitor constatei que ele estava com a capacitância alterada nas duas seções. Dessa forma, além de procurar uma chave nova que encaixasse no chassi, seria necessário também procurar um capacitor compatível. Acabei mantendo a ligação direta do motor e coloquei um capacitor EPCOS de 2uF/250V. 

akai terecorder deluxe capacitor

Encerrada a reforma do mecanismo, prossegui com a revisão da parte eletrônica. A primeira coisa que notei logo na desmontagem de todo o sistema foi o estado do alto-falante, que estava completamente deteriorado. Como a ideia da época era que esse gravador fosse um equipamento portátil - inclusive montado em um gabinete em forma de maleta - o mesmo possui amplificação própria e um alto-falante embutido. Isso torna possível a reprodução de uma fita de forma autônoma, sem a necessidade de acoplar o gravador em outros equipamentos. Então, para recuperar essa característica do gravador, foi necessário levar o alto-falante para ser recondicionado, trocando a bobina e cone do mesmo.

akai terecorder deluxe alto falante
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O passo seguinte foi iniciar os testes de funcionamento do circuito eletrônico. Mas antes realizei a troca de todos os capacitores eletrolíticos e a óleo, uma vez que ambos costumam perder suas características nominais com o tempo. Capacitor é sempre um assunto de muita discussão no universo do áudio, principalmente quando discutidos pela “turma da alta-fidelidade”.

Como o gravador é bastante antigo e provavelmente não passará por novas revisões tão breve, achei que o circuito merecia capacitores um pouco melhores do que os de uso geral encontrados em qualquer esquina. Dessa forma, optei por usar capacitores chamados de audio grade, ou seja, projetados para serem aplicados em circuitos de áudio. Os eletrolíticos usei os da marca Nichicon série MUSE. Já os capacitores a óleo foram substituídos pelos de poliéster da marca Mallory. Os capacitores eletrolíticos do circuito de alimentação, optei por capacitores de uso geral da marca Rubycon. No caso do capacitor eletrolítico de 20uf + 20uf/300V, optei por usar um capacitor eletrolítico duplo da marca JJ de 33uf + 33uf/500V. Uma outra opção teria sido usar dois capacitores comuns de 22uf, soldando os terminais negativos juntos.

Com o recap concluído, finalmente iniciei os testes do circuito para ouvir o gravador “falar”. Mas o circuito não funcionou de primeira. Testei as válvulas e todas estavam emitindo na aferição com o testador de válvulas. Conferi as tensões no circuito seguindo as indicações do esquema elétrico. As tensões estavam ligeiramente maiores, uma vez que o equipamento foi projetado para trabalhar com 110V e eu estava testando o mesmo em 127V. Mas esse não era o motivo pelo qual o gravador estava em “silêncio”.

akai terecorder deluxe recap
akai terecorder deluxe recap
akai terecorder deluxe VU
akai terecorder deluxe VU

Desliguei tudo e com o esquema elétrico em mãos comecei a conferência de todas as ligações do circuito. Consultei o esquema elétrico do Terecorder Stereo Deluxe, que é praticamente o mesmo e está disponível aqui. Durante a conferência de todos os pontos do circuito, acabei me deparando com algo diferente na chave REC/PLAY, uma espécie de mola que conecta um terminal da chave ao transformador de saída. Confesso que não entendi de início o que poderia ser essa “mola”. Analisando o esquema elétrico acabei descobrindo que não se tratava de uma mola, mas sim um resistor de 8 ohms. Com isso, descobri também que o defeito era justamente esse resistor, que estava com um dos terminais desconectado, deixando o circuito aberto. Refiz a solda e pronto! O som finalmente “saiu”! Testei a reprodução e a gravação e tudo estava funcionando bem.

Para finalizar a revisão da parte eletrônica faltava somente o reparo do VU, que parecia estar apenas com o ponteiro quebrado. Primeiro tentei conferir se o mesmo dava sinal de "vida". Na reprodução não funcionava, mas durante a gravação percebi que o que restou do ponteiro mexia de forma meio desordenada.

Estudando novamente o esquema elétrico, descobri que a forma como o VU está conectado no circuito realmente só permite que funcione no momento da gravação. Não chega sinal no VU durante a reprodução da fita. Então não havia defeito no circuito, o VU tinha que dar sinal de "vida" somente durante a gravação mesmo.

Abri o VU e fiz uma pequena “gambiarra”, colando um ponteiro retirado de outro VU velho na extremidade que ainda restava do ponteiro quebrado. Fiz alguns testes e o VU funcionou, mas em alguns momentos enroscava. Tentei abrir e ajustar a parte móvel do VU para tentar liberá-lo de algum possível travamento. Mas não consgui resolver, em alguns momentos, o ponteiro continuava enrroscando.

Esse tipo de VU não possuí tanta precisão, afinal funciona com uma escala simples com duas marcações: “Normal” e “High”. Dessa forma, estava disposto a deixá-lo como ficou, mesmo enroscando em alguns momentos.  No entanto,  durante os processos de desmontagem e montagem na tentativa de resolver o travamento do ponteiro, acabei quebrando o VU e ele parou definitivamente de funcionar.

Esse foi um ponto crítico do trabalho, porque não queria colocar um outro VU que alterasse a estética do equipamento. Então comecei procurar soluções, tentando primeiro encontrar uma sucata similar a venda na internet. Obviamente, uma missão impossível. Desisti e comecei a procurar então por VU’s parecidos que coubessem no chassi do gravador. Mas também não encontrei nada similar.

Foi então que pensei em um plano um pouco ousado, comprar um VU de tamanho próximo e trocar somente o "miolo" com o VU quebrado. Então encontrei a venda no site Ebay um VU do gravador Regent Coronet fabricado pela Webcor por volta dos anos 1960. Esse VU parecia bastante semelhante, então investi na tentativa.

Depois de quase dois meses, o VU chegou. O primeiro teste foi conectá-lo ao circuito para ver se funcionava. Começou tudo bem, o VU estava funcionando perfeitamente.

Agora restava a parte delicada do trabalho, tirar o mecanismo de um para colocar na carcaça do outro. Após desmontar tudo com muito cuidado reparei que internamente ambos eram muito semelhantes, tamanho, forma, tudo. O VU Webcor também foi fabricado no Japão na mesma época do Akai. Incrivelmente, tudo encaixou perfeitamente, até as furações dos parafusos eram iguais. Abandonei a cola e consegui montar tudo com encaixe perfeito. Para finalizar, instalei uma lâmpada 6V na parte interna do VU, para ficar parecido como era originalmente.

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akai terecorder deluxe VU
akai terecorder deluxe frente
akai terecorder deluxe frente pintada

Com o mecanismo e parte eletrônica revisada, a etapa final foi refazer o acabamento do gabinete para deixar o gravador com o visual o mais próximo possível do original de fábrica. Na parte frontal do gravador, a pintura cinza da tampa que cobre o mecanismo foi totalmente removida. Apesar de achar interessante esse tipo de acabamento direto no aço, preferi refazer a pintura na tonalidade cinza que originalmente cobria a peça. A tinta aplicada foi de base poliuretano (PU), comumente usada em pintura automotiva. Para melhor aderência, foi aplicada uma primeira demão de primer.

 

Para concluir o acabamento, um novo revestimento foi aplicado no gabinete do gravador. Originalmente, o gabinete do Terecorder Deluxe é revestido com dois tipos de materiais: um preto aplicado no fundo e na tampa; e outro revestimento no meio com um padrão de impressão trançado, na cor bege – algumas versões aparecem com uma tonalidade mais amarelada.

 

Particularmente acho bonito esse acabamento original, mas aparentemente, o antigo dono preferiu pintar toda a parte bege com uma tinta preta. Talvez como uma forma de esconder possíveis defeitos que surgiram no revestimento com o tempo. Independente das razões, o resultado da pintura não ficou dos melhores. Então, decidi retirar todo o revestimento para aplicar um novo material.

 

Foi bastante trabalhosa a remoção do revestimento velho, pois já estava bastante ressecado e grudado na madeira. Em alguns pontos, as folhas do compensado do gabinete se soltaram. Com muita paciência e persistência foi possível retirar tudo. c

akai terecorder deluxe gabinete
akai terecorder deluxe gabinete
akai terecorder deluxe gabinete

O revestimento novo foi aplicado pelo Álvaro da AMS Custom Cases. No fundo e na tampa foi aplicado um courvin preto e no meio usamos um material bege com o padrão de impressão palha, procurando se aproximar das características do visual do acabamento original.

Após longos meses de trabalho, o resultado final foi extremante satisfatório. O gravador parece ter acabado de sair da fábrica, uma verdadeira viagem no tempo, de volta aos anos 1960.

Agradecimentos ao Sidney Daros Jr. do Galpão do Rádio pela generosidade em compartilhar seus conhecimentos, sem os quais não seria possível concluir esse trabalho. 

© Desenvolvido por Marcelo Sgrilli.

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